LUTO
Organização: Rabino Uri Lam
INTRODUÇÃO
O luto pode ser uma terra estranha e estrangeira; ter um mapa ajuda.
O melhor mapa disponível é aquele oferecido pelos rituais judaicos de luto.
(em “Recuperando o Caminho do Enlutado”, de Anne Brener)
Nós pretendemos ajudar judeus e judias que se identificam com práticas judaicas liberais a lidarem com suas vivências de morte e luto. Valorizamos a diversidade das famílias da nossa Beth-El. Também reconhecemos a sabedoria das tradições judaicas, mas podemos e devemos renová-las de maneiras que façam sentido para nós, conforme os nossos valores judaicos sociais, culturais, religiosos e espirituais. Consulte o rabino sempre que tiver dúvidas, para equilibrar a tradição com o modo pelo você gostaria de honrar um ente querido falecido.
A VISITA A UM DOENTE TERMINAL: bikur cholim, visitar os enfermos, é uma mitzvá. Devemos tratar a pessoa que está no final da vida com o mesmo respeito com que tratamos uma pessoa em qualquer outra fase.
VIDUI: quando a morte é iminente, este pode ser o momento de a pessoa dizer o vidui, uma oração de confissões pelas quais reconhece suas imperfeições. Seja uma oração estabelecida ou vinda do coração, pode ajudá-la a ficar em paz com seus familiares e com Deus. Caso não esteja em condições de fazer a oração, outras pessoas podem fazer por ela. O vidui termina com o Shemá Israel.
QUANDO A MORTE CHEGA: algumas pessoas pedem perdão à pessoa falecida e sentam-se em silêncio ao seu lado. Costuma-se fechar os olhos e endireitar os membros do falecido. Pode-se abrir janelas, cobrir espelhos, acender uma vela, esvaziar um recipiente de água parada. São costumes que funcionam como metáforas para deixar ir.
ETAPAS JUDAICAS DO LUTO
As etapas judaicas do luto oferecem uma estrutura para se lidar com a dor e a perda.
1. Aninut: Do momento da morte até o enterro.
2. Shivá: Sete dias de luto a partir do dia do enterro.
3. Shloshim: Trinta dias de luto a partir do dia do enterro.
4. Shnát Avelut: Onze meses de luto a partir do dia do enterro.
5. Yahrzeit: aniversário anual de falecimento, conforme o calendário judaico.
1. ANINUT
Não é o luto propriamente dito. Quem recém perdeu um ente querido é chamado de onên e tem a responsabilidade de kevod hamêt, respeitar a pessoa falecida na preparação para o funeral, sendo liberado/liberada de suas atividades regulares.
Uma nota sobre cremação: tradicionalmente, vai contra o conceito judaico de kevód hamêt. O corpo deve se decompor naturalmente, conforme a passagem da Torá: “Pois você é pó e ao pó retornará” (Gên. 3:19). Mas por uma série de motivos, alguns judeus optam pela cremação. Se o tema surgir, procure o seu rabino. A intenção é atender cada membro da comunidade dentro do possível, de acordo com as práticas judaicas liberais.
O ENTERRO
Shmirá (Velório): o corpo não deve ser deixado sozinho até o enterro.
Tahará (Purificação Ritual): preparação para o sepultamento, feito por membros da Chevra Kadisha. É um ato único de compaixão, pois quem o recebe não tem mais como agradecer.
Tachrichin: o corpo é envolvido em mortalhas de linho branco. A simplicidade reforça o conceito judaico de sermos todos iguais diante de Deus. Enterra-se a pessoa falecida com o seu talit, se ela tiver.
O Caixão: deve ser simples, de madeira. Antes de fechá-lo, alguns familiares podem querer ver o corpo, o que pode ajudá-los a lidar com a morte. Depois disso permanece fechado, pois devemos recordar a pessoa em vida. De acordo com o Judaísmo Liberal, a mitzvá de carregar o caixão pode ser feita por homens e mulheres judeus
Levaiá: acompanhamento do corpo até o local do enterro, que inclui recitação de salmos, hespêd (discurso fúnebre) e a oração El Malê Rachamim (Deus Pleno de Compaixão).
O Kadish dos Enlutados é dito pelos enlutados a partir do final do serviço religioso
no cemitério.
Keriá:
o costume é, antes do enterro, rasgar um pedaço da roupa usada pelo enlutado: à esquerda (perto do coração) no caso da perda de pai ou mãe; à direita, no caso da perda de outro parente. A roupa rasgada é usada durante os sete dias da shivá. Depois de fazer o rasgo (cerca de 8 cm), a pessoa enlutada diz a brachá (benção):
Baruch Atá Ad!onai, Elohênu, Mélech haolám, Daián haemêt.
Abençoado seja, Eterno, nosso Deus, Soberano do Universo, o Verdadeiro Juiz.
Hespêd: discursos elogiosos de despedida. No momento do enterro, ressaltam-se as qualidades e virtudes do falecido, pelo rabino ou por quem dirige a reza. Os presentes ao enterro também podem compartilhar memórias, palavras de conforto e de gratidão.
Não envie flores: faça uma tzedaká em memória do falecido durante o ano de luto.
Crianças no enterro: a presença pode ajudar na sua elaboração do luto. Um adulto deve explicar à criança o que aconteceu e escutar os seus sentimentos.
Kadish dos enlutados: não trata da morte, mas do mistério da vida e da soberania de Deus. Alguns acreditam que recitar o Kadish ajuda na elevação da alma do falecido.
Depois do enterro: forma-se um corredor pelo qual os enlutados passam para receber palavras de conforto. Tradicionalmente se diz:
HaMakom ienachêm etchêm betóch sheár avelê Tzión v’Yerushaláim, vesheló tedú
od tzáar.
Que Deus conforte vocês junto aos demais enlutados de Tzión e Jerusalém; e que vocês não tenham mais tristezas.
Lavar as mãos antes de sair do cemitério, deve-se lavar as mãos sem dizer uma benção. Uma vez terminado o enterro, o luto começa de fato.
2. SHIVÁ
Sete dias de luto da família imediata (esposo ou esposa, pai, mãe, irmão, irmã, filho, filha). É costume acender uma vela que fica acesa por toda a semana, conforme o verso:
“A chama de Deus é a alma do ser humano” (Prov. 20:27). Os enlutados devem ser tratados com todo o cuidado e respeito. Familiares e amigos podem oferecer refeições, apoio emocional e espiritual. Ao sair da casa de um enlutado, costuma-se dizer:
HaMakom ienachêm etchêm betóch sheár avelê Tzión v’Yerushaláim. Sheló tedú
od tzáar.
Que Deus conforte vocês junto aos demais enlutados de Tzión e Jerusalém. Que vocês não saibam mais o que é tristeza.
Rezas na Shivá: os enlutados ficam em casa, onde são feitas as rezas (matutina, vespertina e noturna) para que digam o Kadish. É costume se levar alimentos redondos (ovos cozidos, lentilhas, rosquinhas, etc.) que simbolizam o ciclo e a totalidade da vida. Se possível, a porta da casa ou do apartamento fica aberta para visitantes. Entre judeus liberais é comum os enlutados irem à sinagoga da sua preferência para dizerem o Kadish. Quando é Shabat, os enlutados são encorajados a ir à sinagoga.
Cuidados Domésticos e Pessoais: o foco está na memória e nos sentimentos, deixando de lado a vaidade e outros aspectos externos. Em muitas casas é costume: cobrir espelhos, sentar-se em bancos baixos, retirar as almofadas dos sofás; tomar banhos rápidos, não cortar cabelo, não fazer barba, não usar maquiagem, não se preocupar demasiado com a roupa, ficar descalço ou de meias, sinalizando que não sai de casa.
O Fim da Shivá: na manhã do sétimo dia os enlutados saem para dar uma volta no quarteirão, simbolizando que “se levantaram da shíve”.
Depois da Shivá: familiares e amigos devem manter o contato com as pessoas enlutadas, especialmente em feriados. Farão bem em telefonar, visitar, convidar para um passeio ou para irem à sinagoga, por exemplo.
3. SHLOSHIM
Encerrada a Shivá, o luto continua até o trigésimo dia da data do enterro. Os enlutados voltam ao trabalho, aos estudos e às suas atividades, mas evitam compromissos públicos de diversão e lazer. Costuma-se ir à sinagoga de manhã e no início da noite para dizer o Kadish na presença de um minián. Costuma-se encerrar o período de Shloshim com um minián em casa, na sinagoga – ou no cemitério, ao lado da sepultura do falecido.
4. INAUGURAÇÃO DA MATZEVÁ
Os enlutados costumam fazer a inauguração ou descoberta da matzevá, a lápide, entre 30 dias e 11 meses da data do falecimento, conforme o calendário judaico. Isso simboliza que, para a bondosa alma da pessoa falecida, menos de um ano basta para a sua elevação espiritual até o Jardim do Éden, ao lado de Deus, a Fonte da Vida.
Para mais orientações, consulte o seu rabino.
Texto na matzevá: inclui um símbolo judaico (Estrela de David: Israel; jarro de água: Levi; gesto sacerdotal: Cohen), os nomes hebraico e civil do falecido. Também inclui as datas de nascimento e de morte, nos calendários judaico e civil. No final são colocadas as iniciais de uma frase hebraica com os desejos de que a alma da pessoa falecida faça parte da conexão da vida eterna. O rabino pode ajudar a preparar o texto.
5. YAHRZEIT
Significa “período de um ano”, aniversário de falecimento (pelo calendário judaico). Acende-se em casa uma vela de 24 horas em memória do falecido e, na sinagoga, reza-se o Kadish dos Enlutados. Há também o costume de doar em tzedaká.
Yizkor: rezas comunitárias em memória, quatro vezes por ano, nos últimos dias de Pessach, Shavuot, Sukot e Yom Kipur. Recordam-se os nomes de parentes falecidos, junto com outros da comunidade; e de judeus que morreram em períodos trágicos: na Inquisição, na Shoá (Holocausto), nas guerras e atentados em Israel. Há também o costume de doar em tzedaká e acender uma vela de yahrzeit.
Visitas ao Cemitério:
É costume visitar os túmulos dos entes queridos antes de Rosh Hashaná e Yom Kipur, e perto do yahrzeit. Costuma-se deixar uma pedrinha sobre a matzevá como sinal de que a pessoa está sendo lembrada.
As visitas não podem ser feitas em Shabat e Chaguim (feriados festivos), na Contagem do Ómer, especialmente até o 33º do Ómer (Lag Baómer). Em alguns cemitérios é desencorajada a visita em Rosh Chódesh, primeiro dia dos meses judaicos: por serem dias festivos, não se deveria fazer hespêd (discursos fúnebres) e provocar tristeza. Não é aconselhável a ida excessiva ao cemitério.
Fontes:
Guia de Práticas e Rituais Judaicos para Morte e Luto, Congregação Tikkun v'Or, Ithaca, NY, EUA.
Chevra Kadisha de Melbourne, Austrália. www.mck.org.au