
PARASHÁ
DA SEMANA
BO [Êxodo 13:17-17:16] – 31.01.2025
A história do Povo Judeu é feita de muitos êxodos. Todo êxodo leva a uma prometida liberdade. Mas nenhum é isento de extrema dor. Independente da hora de saída de qualquer cativeiro, na alma humana será sempre noite quando antes da hora do Êxodo.
Conta-nos Primo Levi, em sua obra “É isto um homem?”, descrevendo o êxodo do Campo de Concentração de Auschwitz-Birkenau, onde estava internado no Departamento de Infectados com outros 10 internos:
“26 de janeiro (de 1945). Jazíamos num mundo de mortos e de fantasmas. O último vestígio de civilização desaparecera ao redor e dentro de nós... À noite, cessou o barulho dos aviões. O quarto tornou a se encher com o monólogo de Somógyi. De repente, encontrei-me desperto no escuro. O pobre velho (Somógyi) emudecera: acabara. No último espasmo de vida, se jogou do beliche. 27 de janeiro. O alvorecer. Os russos chegaram enquanto Charles e eu levávamos (o corpo de) Somógyi um pouco mais longe. Ele era muito leve.” (cf. pgs. 253,254, Ed. Rocco)
Voltemos no tempo. Egito, ano 1310 aec, 3.335 anos atrás. No meio da noite, Deus matou todos os primogênitos do Egito, o primogênito do Faraó, os de todas as famílias egípcias e até do gado. Não havia casa onde não houvesse alguém morto. Diante do clamor, o Faraó acordou, chamou Moisés e Aarão e disse: “Saiam daqui! Saiam do meio do meu povo, vocês e os israelitas!” Era noite. Para Deus, aquela foi uma noite de vigília, para tirá-los do Egito; e uma noite de vigília para todos os filhos e filhas de Israel, por todas as suas gerações (cf. Êxodo 12:29-32).
Ah, a noite. Diz o Salmo (121,4-7): “Veja, o guardião de Israel não cochila nem dorme! O Eterno é seu guardião... O Eterno te guardará de todo mal, Ele protegerá a sua vida.”
Conta a Torá que, na noite do Êxodo, enquanto uma multidão deixava o Egito – homens, mulheres e crianças, israelitas e não israelitas – Deus cuidava para que eles não fossem atacados por seus algozes. Uma noite para não ser esquecida. Era a madrugada de 15 de Nissan: o primeiro dia de Pessach.
Sobre os tempos do Holocausto. Em sua obra “A Noite”, o escritor Elie Wiesel retrata sua passagem por campos de concentração quando tinha 14, 15 anos. Wiesel foi separado da mãe e da irmã e, ao lado do pai, viu e viveu mortes, execuções, torturas e sofrimentos extremos nos campos. No seu livro, Wiesel questiona a presença de Deus: por que Ele não os ajudava? Dado o sofrimento daquela noite eterna, eles deixaram de praticar os ritos judaicos e passaram a sentir somente ódio. Cerca de 40 anos depois, em 1986, Wiesel receberia o Prêmio Nobel da Paz por defender as minorias e por sua luta em favor dos direitos humanos. Wiesel é uma luz de Israel.
Chegamos aos nossos dias, final de janeiro de 2025. Após o nefasto 7 de outubro de 2023, entre as reféns mantidas há quase 500 dias em Gaza, estava Agam Berger, libertada esta semana. Em Simḥat Torá de 2024, um ano depois do massacre terrorista, Merav Berger, mãe de Agám, esperava que a jovem de 19 anos se mantivesse como judia praticante, ainda que sob as piores condições. Agam Berger fez exatamente isso. Ajudou como pôde suas irmãs do povo judeu, também reféns. E não aceitava que os terroristas lhe dessem alimentos não kasher, mesmo que passasse fome. Como ela própria disse: com a sua fé foi para o cativeiro, com a sua fé saiu do cativeiro.
Isso nos lembra outra passagem da Torá desta semana. Durante a nona praga, a da escuridão, os egípcios não podiam ver uns aos outros; por outro lado, todos os israelitas desfrutavam de luz em habitações. A luz que manteve Agam Berger viva foi a emuná, a fé, a convicção de que Deus não estava dormindo e cuidava do povo de Israel no Egito, nos campos de concentração e até mesmo em Gaza – no meio da noite, nos túneis e nos abrigos da ONU, com fome e sede, cercados de terroristas e de um povo que lhes desejava a morte. A fé foi a luz que manteve Agam Berger viva.
Ah rabino, nem todos os reféns são judeus religiosos! Verdade. Mas cada um deles tem a sua própria luz. Assim que foi libertado, Gadi Moses, 80 anos, um judeu israelense progressista, secular, de esquerda, disse que a primeira coisa que faria seria reconstruir o seu kibutz, que fica ao lado de Gaza. Quanta luz tem nesta declaração! Em volta deles, a escuridão: as piores ofensas, todo tipo de desinformação, lhes diziam que haviam sido abandonados por seu povo – eles não conhecem o nosso povo.
A luz de Israel é divina, é diversa, é multicolorida. Todos eles, independente de serem religiosos ou seculares, de direita, esquerda ou centro, sabiam que não seriam abandonados pelos pais, amigos, cônjuges e namorados, filhos e netos, colegas de trabalho, de estudos e do exército. Todos deixam a escuridão – do Egito, da Rússia czarista, da Europa nazista, de Gaza – iluminados e de cabeça erguida. A cada refém que volta para casa, admiramos ainda mais a luz de Israel.
Rabino Uri Lam