Tishá BeAv
5785 / 2025
9 de Av / 02 a 03 de Agosto

Luto e esperança no calendário judaico
Tishá beAv, o nono dia do mês de Av, destaca-se como a data mais solene do calendário judaico, marcada pela lembrança das calamidades que atingiram o povo judeu ao longo da história.
Tradicionalmente, é um dia de jejum, introspecção e lamento, especialmente pelas destruições do Primeiro e do Segundo Templos em Jerusalém.
25 Horas de Dor Coletiva
Tishá beAv ultrapassa o limite de um mero evento histórico ou ritual religioso; é um catalisador para a consciência coletiva. Este dia reúne séculos de tristeza – não apenas pelas perdas físicas dos templos, mas também pelas expulsões, perseguições e tragédias sofridas pelo povo judeu, desde o exílio babilônico até os nossos tempos - incluído o triste período desde 7 de outubro de 2023 até hoje, que ainda estamos sofrendo. De fato, o luto de Tishá beAv não é apenas individual, mas um convite para vivenciar a dor da comunidade em comunidade.
Ao longo do jejum de Tishá beAv, as práticas restritivas – como não comer nem beber, não usar couro, não manter relações conjugais, não cumprimentar as pessoas e sentar-se no chão e não em sofás e cadeiras – criam um espaço de desconexão do mundo material. Esta desconexão não serve apenas para recordar o sofrimento, mas para criar um espaço interior onde seja possível repensar a própria espiritualidade, o sentido de pertencimento e o compromisso com a coletividade.
Tishá beAv como Processo de Transformação
O potencial transformador de Tishá beAv reside na tensão entre tempos de luto e de esperança. O calendário judaico estrutura o período das Três Semanas de luto entre 17 de Tamuz e 9 de Av. A partir de Tishá beAv vêm as “Sete Semanas de Consolação”, levando até Rosh Hashaná e aos demais feriados do mês de Tishrê, dos quais destacamos Yom Kipur e Sukot, ao final dos quais a esperança fala mais alto. Em outras palavras, ao reconhecermos a necessidade de lembrar e vivenciar a dor, de se permitir estar em luto, abrimos espaço para tempos de cura, renovação e reconstrução.
O luto somente faz sentido quando nos move a agir
Tishá beAv também é um convite à autocrítica e à transformação social. Nas palavras do rabino Michael Strassfeld, “o luto somente faz sentido quando nos move a agir.” Ele propõe que a lembrança das tragédias históricas nos inspire a construir uma sociedade mais justa, compassiva e sensível ao sofrimento alheio. Portanto, Tishá beAv não é apenas uma recordação passiva do passado, mas um chamado ético para uma postura ativa no presente.
Textos, liturgia e a reconstrução do sentido
Uma característica de Tishá beAv é a força dos seus textos litúrgicos – especialmente a leitura de Echá (o Livro de Lamentações, atribuído ao profeta Jeremias), as kinot (elegias poéticas) e a própria estrutura do serviço religioso do dia. Ler o Livro de Lamentações, que descreve de forma dura e mais introspectiva do que história a destruição da vida judaica em Jerusalém, não é apenas participar de uma tradição, mas mergulhar em um texto que clama, chora e se interroga diante da ruína e do silêncio divino.
O rabino Michael Strassfeld também convida homens e mulheres judeus do nosso tempo a lerem as lamentações de Jeremias com olhos abertos para as tragédias do presente: o sofrimento dos refugiados, as vítimas da injustiça, do racismo, da homofobia e transfobia – em resumo, vítimas do ódio. Tishá beAv, assim, transforma-se num espelho do mundo, onde a dor histórica dialoga com a dor dos nossos dias e a liturgia se torna uma plataforma para a conscientização social.
Entre Ruína e Esperança: O Significado Atual de Tishá beAv
Tishá beAv é uma oportunidade anual que temos para refletir sobre os “templos” que cada sociedade constrói – e destrói – em sua busca por sentido, segurança e transcendência. Se é possível ter um olhar otimista sobre a data? Sim. Os antigos rabinos diziam que “o dia seguinte”, o dia 10 de Av, era propício para o início da Era Messiânica – e com ela, um tempo de mais paz, justiça, compaixão e amor para o mundo inteiro. O dia é um lembrete de que a ruína, seja física, espiritual ou coletiva, nunca é o último capítulo da história. Ou seja, no ponto mais baixo do calendário, há uma semente de renovação, plena de energia para reconstruir e reparar relações, fortalecer compromissos éticos, lutar contra a indiferença e buscar continuamente a justiça e a compaixão.
Na intensidade do jejum, da lamentação e do silêncio, há um convite profundo para transformar dor em ação e fazer da memória um caminho para a renovação individual e coletiva, em favor de pessoas melhores e de um mundo melhor.
Rabino Uri Lam, inspirado em texto do rabino Michael Strassfeld